Cadê o IP fixo que estava aqui? (por Tatiana Sendin)
http://www.revistalink.inf.br/plano/link/calandra.nsf/0/03256AB9006D52C203256C3700623A59?OpenDocument
ano 6 nº 79 2002
Nota webmaster: A ABUSAR já havia denunciado esse abuso, no release Novo Golpe, de 04/07/2002
O técnico de banda larga se aproxima do modem. "São só configurações rotineiras", diz. Mas ele pode levar embora o IP fixo de sua conexão ADSL.
É uma história comum. Usuários do serviço de banda larga residencial da Telefônica, o Speedy Home (utilizado também por alguns usuários corporativos), estão recebendo proposta para trocar o endereço IP fixo que têm hoje por um endereço IP variável. Foi o que aconteceu com o gerente de operações de rede do Serasa, Eduardo Bertucci. Recebeu a visita de um técnico, de empresa terceirizada pela Telefônica, para "ajustes de rotina". Ao final do trabalho, o profissional informou que iria instalar o IP dinâmico. A justificativa: maior segurança, com identificação do usuário por login e senha. Bertucci, usando seu conhecimento técnico, dispensou a mudança (que não é obrigatória). Mas o fato deixa dúvidas: o que acontece ao trocar um endereço IP fixo por um dinâmico?
Enxergar o endereço IP como um número telefônico ajuda a entender questões básicas. "O IP dinâmico é como se o usuário ganhasse um novo número de telefone a cada vez que tirasse o monofone do gancho", explica Ricardo Sanfelice, gerente de produto ADSL da GVT. A parte boa é que ninguém precisaria se preocupar com trotes; a ruim é que ficaria impossível passar o número do telefone para alguém. Para usuários domésticos, essa peculiaridade do IP dinâmico não é relevante. Mas, para empresas, é.
Sem conhecer o número para telefonar, quem iria ligar? Ninguém. Assim como ninguém conseguirá se conectar ao servidor da empresa sem conhecer o endereço IP. Os especialistas são unânimes: escritório que usar serviço de banda larga com IP dinâmico não pode fornecer acesso remoto a clientes, parceiros, funcionários. (Mas pode, veja bem, se conectar a um escritório central, mais bem equipado, que ofereça serviços de acesso remoto por VPNs.)
Quanto às redes privativas virtuais (as VPNs), os especialistas não são unânimes. Tecnicamente, dizem, nada impede a VPN de funcionar com IP dinâmico. "No túnel privado, roteador conversa com roteador. Tudo que entra na porta A chega até B", afirma o consultor de telecomunicações do CPqD, Aldionso Marques Machado. Na prática, contudo, tiveram problemas clientes da Getronics, da Serasa e da integradora Terra Networks (nada a ver com o provedor Terra). A própria GVT admite, nas palavras de Sanfelice: "Não dá para fazer VPN sem IP fixo". O problema são as coincidências. As operadoras reservam uma faixa de endereços IP para o IP dinâmico. Se, por coincidência, uma empresa usa a mesma faixa de endereços internamente, suas conexões VPN freqüentemente deixarão de funcionar por conflito de endereços. "O roteador", diz Marcelo Zanoni, gerente de negócios estratégicos da Getronics, "não conseguirá saber se o número é da rede interna ou externa".
Usar faixas diferentes de endereço é uma solução para esse problema mas a empresa e a operadora precisam negociar. No caso da VPN, o que as operadoras fazem, garante Sanfelice, é oferecer um pacote de serviços específico para VPN: mesmo que seja um link ADSL, tem endereço IP fixo, que não faz parte do pacote ADSL. Assim é o Metronet, da própria GVT. No pacote comum de ADSL, tanto a GVT, com o Turbonet, como a Telemar, com o Velox, usam IP dinâmico. A Telefônica usa IP dinâmico somente no Speedy Home, o serviço doméstico, segundo informa em seu atendimento por chat.
No começo, todas as conexões ADSL da operadora tinham IP fixo. A mudança para IP dinâmico, que está causando confusão entre os usuários (até mesmo corporativos), ganha várias explicações no mercado. Guilherme Fortes, consultor de redes da 3Com, explica que a Telefônica usava o protocolo de encapsulamento RFC-1483 capaz de trabalhar apenas com IP fixo. "Ela incrementou a tecnologia, implantou um sistema de autenticação por senha e login." Outros especialistas acreditam que a Telefônica, ao perceber que seus números IP estavam acabando, resolveu fazer as mudanças técnicas necessárias para recuperar a capacidade de endereçamento. A assessoria de imprensa do Grupo Telefônica informa: a confusão se dá porque algumas empresas usam o Speedy Home, que é IP dinâmico, justamente porque no mercado residencial ninguém precisa de IP fixo. Se a empresa precisar realmente de IP fixo, basta passar para o serviço Speedy Business.
Alguns clientes vêem na manobra uma estratégia para obrigá-los a assinar o serviço de um provedor de acesso (ou a manter a assinatura que já têm). "Nos contratos mais antigos está escrito que, depois de um ano, o usuário do Speedy não precisa mais pagar pelo provedor", lembra Eduardo Bertucci, do Serasa. "Mas, com o IP dinâmico, o provedor vira peça obrigatória." Existem muitos processos na justiça sobre essa questão. De acordo com a regulamentação, as concessionárias de telefonia fixa local não podem ser também provedor de acesso ou de conteúdo, para evitar a monopolização do mercado, e, por isso, a presença obrigatória de um provedor. Diz a Associação Brasileira dos Usuários de Acesso Rápido (ABUSAR - abusar.org) que, usando programas como o Traceroute e o Visualroute, é possível demonstrar que os provedores de acesso não participam de nenhuma etapa da conexão à Internet. São pagos para fazer apenas figuração, segundo a Abusar.
Apesar do cenário confuso, o IP dinâmico tem suas vantagens. "É possível conectar o computador em qualquer lugar e usar o enlace ADSL, sem mexer em configurações", lembra Celso Caldas, diretor de produtos banda larga da Alcatel. Há quem diga ainda que mudança de endereço a cada conexão traz segurança. Se um hacker descobrir o endereço da máquina do usuário hoje e deixar para atacá-lo amanhã, o número será diferente. Para Machado, do CPqD, essa segurança varia de zero a 0,1 é insignificante. "O que faz a segurança é um firewall, não um número IP variável."
Mais cedo ou mais tarde, um dos dois esquemas de endereçamento será adotado como padrão, diz Fábio Zaffalon, do Yankee Group. É cedo para apostar, mas é fato inegável que, para a operadora, é muito mais fácil gerenciar IP dinâmico. Ao invés de administrar 200 mil endereços para 200 mil clientes, administra apenas 100 mil endereços para dar serviço a muitas vezes mais usuários afinal, diz a teoria, nem todos estarão conectados ao mesmo tempo. "Endereços IP fixos ficam reservados só a quem realmente precisa deles", explica Alcides Troller, gerente de programa de marketing e produto da GVT. Só um probleminha (o que talvez faça o usuário mais técnico ficar com um pé atrás): se a distribuição de endereços IP, no modo dinâmico, não for bem planejada e administrada, existe risco de saturação. Alguém pode ficar sem IP na próxima conexão.
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